Itens compartilhados de Juliano

sexta-feira, 28 de março de 2008

Kimchi com Café - de volta a todo vapor!

Ói nóis aqui tra veiz!

Vim hoje à facu atendendo a pedidos de meu professor. Disse ele que queria que eu desse uma olhada num texto que ele vai mandar pra uma revista científica. Era pra eu checar e mudar a formatação de acordo com o que é pedido pelos editores. Fiz. Tava até bom o inglês, fora a pontuação que era um horror (mas isso passa), mas a coisa de louco era a transliteração do coreano para o alfabeto latino. Culpa dele? Não. Culpa dos milhares de sistemas ainda em uso ou os que já se aposentaram mas ainda deixaram uns rastros por aqui e por ali...
Lingüisticamente falando, o coreano (a língua, não o sujeito que vive comendo kimchi) é uma língua um pouco diferente no que toca à fon-fon, isto é, fonética e fonologia. Ao contrário da maioria das línguas mais conhecidas e mais faladas neste mundão de Deus, que fazem a distinção das consoantes entre surdas e sonoras, o coreano faz distinção das consoantes em suaves, tensas e aspiradas, uma distinção ternária, ao contrário da distinção binária de línguas como o nosso português, o inglês, o francês, o japonês, etc. etc. etc. Traduzindo. As consoantes são normalmente ruídos, estalidos, atritos, constrições, ao passo que as vogais são sons, harmonicos e modulados. Pensem na diferença do som "ssssssss" e do som "aaaaaaa". O primeiro parece uma panela de pressão soltando ar, isto é, ruído. O segundo, por sua vez, pode até ser modulado e virar uma cançoneta (pequena canção, tá?) que pode ser formada de várias notas diferentes e coloridas, do dó ao si e de volta ao dó, formando toda uma escala linda e harmoniosamente sonora. Tudo bem até aqui? Então. No caso das consoantes, a grande maioria delas é compostas por irmãs gêmeas. Isso mesmo. São parecidas em tudo, mas têm apenas uma diferença: uma é surda, isto é, produzida sem vibração das cordas vocais; a outra é sonora, isto é, produzida com vibração das cordas vocais. Tá acompanhando? Ei-las! (Não se esqueçam que eu estou falando dos sons e não das letras, tá?) O som p vai junto com o b, o t vai com o d, o k vai com o g, e assim sucessivamente... Em resumo, na língua portuguesa, temos:

p b, t d, k g, x j, f v, s z

Os sons de cada um desses grupos é formado exatamente da mesma maneira. O primeiro é com o fechamento dos lábios; o segundo, com o fechamento da língua contra os dentes; o terceiro, com o fechamento da base da língua contra a garganta; o quarto, com a aproximação do dorso da língua contra o céu da boca; o quinto, com a aproximação do lábio inferior aos dentes superiores; e, por último, o sexto, com a aproximação da ponta da língua aos dentes superiores. Certo? O que é diferente? As cordas vocais! Se você botar os dedos no pescoço na altura do pomo de adão e falar cada um dos sons acima, você vai perceber que, nos sons b, d, g, j, v, z, a vibração começa instantes antes do som da consoante propriamente dita. Confere?

Então, é assim que funciona com a maioria das línguas.

Coreano, não...

O coreano tem uma distinção ternária que não depende da vibração das cordas vocais... Isso é muito difícil para quem passou a vida inteira prestando atenção, mesmo que subconscientemente, se as cordas vocais vibram ou não.

A distinção do coreano é a seguinte. Se a consoante é suave, normalmente ela é surda, a não ser que esteja entre vogais e produzidas de leve, o que causa um certo arzinho que sai da boca, "ma non troppo". Se a consoante é aspirada, ela é surda e produzida simultaneamente a um forte sopro de ar, equivalente ao dos sons "s" e "f". Agora, se ela é tensa, a gente tem que fazer força na garganta pra fechar as cordas vocais e soltar o ar que fica preso, criando uma super-consoante surda que é super-poderosamente forte em comparação com as suaves.

Em suma:

p, ph, pp (suave, aspirada, tensa); t, th, tt; k, kh, kk; ch, chh, cch; s, ss.

O problema...

Como isso não é comum nas línguas ""comuns"" (muito entre aspas), isto é, inglês, francês, inglês, italiano, inglês... ah, eu mencionei inglês???, essa diferença foi por demais difícil para ser passada para o papel em outro alfabeto que não fosse o próprio alfabeto coreano. Cada um quis fazer um sistema que julgava ser mais válido: primando pelo princípio de uma letra = um fonema, ou pelo princípio de seguir à risca a pronúncia (escrevendo as surdas e sonoras, aspiradas e tensas), evitando escrever mais de uma letra para cada som, mandando pro espaço a questão de uma letra = um som e inventando um monte de consoantes e vogais duplas/triplas... Daí vem a questão do governo. No começo, eles disseram que um sistema era o oficial. Alguns anos depois, disseram que aquilo estava errado e resolveram usar outro. Mais algum tempo, disseram que não tinha um bom sistema e resolveram inventar outro. Passam-se alguns anos e eles resolvem reformar aquele mesmo que eles próprios inventaram... Resumindo: uma bagunça.
Agora eu pergunto: tem algum coreano que saiba como usar qualquer um deles? Resposta óbvia: NÃO. Com uma bagunça dessas quem é que vai se entender com tantos tipos diferentes de escrita? Primeiro. O alfabeto latino (este mesmo que eu estou usando para escrever português, uma vez que quem o inventou foram os latinos, habitantes do Lácio, região da península itálica onde floresceu a cultura romana) para eles é igual ao alfabeto grego para nós, a gente até sabe alguma coisa tipo "o alfa e o ômega", ou "delta é igual a b ao quadrado menos quatro a c" e coisa do gênero. Eles tem contato com o alfabeto latino porque têm que aprender inglês durante décadas, e com isso chamando o alfabeto latino de "letra inglesa" (英字 영자). Não é por nada, mas tenho arrepios quando ouço isso... Pra mim, só o w pode ser chamado de letra inglesa, já que foram os copistas ingleses do século sétimo que o inventaram em algum claustro de algum mosteiro daquelas bandas pra substituir a letra ƿ "wynn", uma adaptação de uma runa que andava quebrando o galho pra preencher o alfabeto deles. Mas, voltando à vaca fria, venhamos e convenhamos: eles nunca imaginam sua própria língua escrita nesse alfabeto que só serve pra escrever essa estranha língua dos normandos, ops, desculpem-me, dos ingleses... Então, no que toca a esse assunto, nenhum, repito, nenhum coreano que se preze, sabe direito transcrever sua própria língua ao alfabeto latino de primeira sem pestanejar.

Para quem quiser ver o "quilombo" (como dicen nuestros amigos cone-sulinos hispano-hablantes) que aprontaram com a coitada da língua coreana nessa festa da transliteração, basta dar uma olhada nos seguintes links:
Para quem tem preguiça ou realmente não está interessado (no caso da segunda opção, não entendo porque é que leu este post até aqui então...), basta ver o exemplo abaixo.

원하시는 선 색깔과 굵기에 체크하시면 됩니다.

Esta frase, escrita de apenas uma única forma no alfabeto coreano, pode ser transliterada (ou romanizada) de várias formas, dependendo do sistema de transliteração que se escolha...

Sistema oficial revisado (Ênfase na pronúncia. Criado em 2000. Oficial atualmente.):
Wonhasineun seon saekkkalgwa gulkgie chekeuhasimyeon doemnida.

Sistema oficial revisado (Ênfase na transliteração dos fonemas. Criado em 2000.):
Wonhasineun seon saegkkalgwa gulggie chekeuhasimyeon doebnida.

Sistema McCune-Reischauer (Criado em 1937. Oficial de 1994-2000.):
Wŏnhasinŭn sŏn saekkalgwa kulkie ch'ek'ŭhasimyŏn toemnida.

Sistema Yale (Criado em 1942. Em uso geral por lingüistas.):
Wēn hasinun sen sayk.kkal kwa kwulk.ki ey cheykhu hasimyen toypnita.

Pra quem está se perguntando o que raios esta frase significa, aí vai a tradução:

"Apenas cheque a cor e a grossura da linha que você deseja."

Decepcionante, não? Culpa da Wikipédia que publicou isso aqui... hahaha

Bem, agora vou andando... Já são nove da noite e tem chão daqui pro meu cafofo. Até a próxima! :)

Nenhum comentário:

Pesquisar em blogues de brasileiros na Coreia

Resultado da pesquisa