Itens compartilhados de Juliano

domingo, 30 de março de 2008

De rebus socialibus

Esses dias chegou uma comitiva de uma empresa brasileira para fazer negócios com empresas coreanas e eu os acabei conhecendo. A propósito, o almoço de aniversário a que tenho que ir daqui a pouco é de um deles.

Conversa vai, conversa vem, acabou o papo chegando às inevitáveis comparações sociais. "Nossa, os coreanos fazem assim, né? Os coreanos fazem assado... Etcétera e tal."

Pois bem, uma das comparações foi o "oba-oba", o "empurra-empurra" ou o "vup-vup" (como diz minha mãe).

Não sei se vocês se lembram de quando eu falei do pali-pali, o "rápido-rápido", a palavra mais pronunciada (ambivalência semântica intencional) por estas bandas. Tudo tem que ser rapidinho. Não importa, no entanto, se seja bem feito ou não. Basta a rapidez, a velocidade, a presteza, a anti-inércia.

O momento mais notável é nos meios de transporte de massa: metrôs, ônibus (plural), escadas rolantes e afins.

O momento de embarque/desembarque é uma competição inconsciente para ver quem consegue embarcar/desembarcar primeiro que o "oponente". Não importando que dispositivos se usem para que o feito atinja pleno sucesso. Leia-se: é um empurra-empurra do cão.

As ruas, ruelas, vias e vielas do bairro de Myeongdong (명동/明洞), meca de todas "as" jovens, bem como algumas senhouras e vovós também, vivem congestionandamente lotadas. Conseqüentemente, o "empurra-empurra" toma lugar e eu me sinto num parque de diversões no carrinho bate-bate. Não importa quem esteja à frente, seja uma vovozinha (ou vovòzinha como se escrevia algum tempo atrás antes da reforma ortográfica que está para ser rereformada) ou seja um cara de dois metros de altura. E o mais notável é que geralmente quem está por trás do corre-corre e empurra-empurra são as mulheres. As senhouras de meia-idade pra cima, então, essas sim são um bulldozer! Passam arrastando tudo o que vêem pela frente. Em marcha acelerada de deixar o capitão Nascimento com orgulho, zero-um!

Em locais públicos de altíssima circulação, principalmente em estações metroviárias, é de praxe haver uma divisão pintada no centro dos corredores dividindo-os em duas vias - uma mão que vai e outra que vem. Isso funciona às vezes, mas na prática, nas horas de pico (praticamente o dia todo), ninguém liga pra isso; um turbilhão de pessoas indo e vindo e abrindo espaço para passar sem quase diminuir o passo da marcha. Dessas divisões, somente a das escadas rolantes é respeitada. A faixa da direita é para quem vai ficar parado e a da esquerda é para quem vai subir a escada rolante andando ou correndo. Esses dias, eu vi uns cartazes em várias estações do metrô onde se lia que o governo aboliu tal prática pelo fato de que muita gente já se machucou. De acordo com a estatística estampada em tal cartaz, somente no ano passado, mais de 400 pessoas se machucaram devido a trombadas e encontrões durante o movimento ascensório ou descensório de tais meios de transporte. Agora eu pergunto: alguém liga? Resposta: claro que não! Todo mundo olha os cartazes, faz cara de paisagem, e os ignora.

Essa questão de cartazes/placas proibitivas e/ou admoestativas é um fato que chega a ser cômico, pelo menos para mim.

É muito, mas muito comum mesmo ver placas de "Proibido Fumar" e uns dois ou três carinhas justamente à frente/embaixo das mesmas fumando deliciosa e calmamente seus cigarrinhos. Alguém fala alguma coisa? Não. Banheiros: outro lugar onde sempre se vêem tais plaquinhas. E o que se encontra dentro destes reinos da privacidade? Cinzeiros instalados ao lado dos mictórios e dos vasos sanitários cheios de guimbas e mais guimbas fumadas a bel-prazer.

Voltando a falar da questão das mãos de direção para pedestres, quando cheguei (agosto de 2006), havia nos metrôs plaquinhas nos degraus das escadas dizendo "O povo com educação caminha pelo lado esquerdo". Devo dizer que há essa tendência pelas ruas e outros locais de circulação de pedestres pela cidade, excetuando-se claro quando o número de pessoas não seja de 10 por metro quadrado. No fim do ano passado, porém, alguém do governo, que creio eu que não tinha muito o que fazer, resolveu soltar a seguinte pérola: "A mão inglesa (mão esquerda) nos foi imposta pelos colonizadores japoneses e não devemos aceitá-la, devemos seguir o resto do mundo que usa em sua grande maioria a mão direita para pedestres, assim como já fazemos com o trânsito de automóveis." Não sei exatamente quando começou isso, mas tudo o que tem uma conexão direta ou indireta aos malditos colonizadores japoneses deve ser expurgado da sociedade coreana como um câncer que macula a pureza do povo Choseon (조선/朝鮮) (nome tradicional da Coréia nos idos do milênio passado). Isso se vê principalmente no vocabulário. Há várias palavras japonesas que foram adotadas durante o período de colonização japonesa e que resistem firmes e fortes até o dia de hoje. Principalmente nomes de comida. Um exemplo é o caso do "kamaboko" (かまぼこ) japonês, um dos ingredientes utilizados na confecção do oden (おでん), o qual é chamado na coréia de "odeng" (오뎅). Todo mundo come odeng, todo mundo gosta de odeng, mas quando a gente aprende a falar odeng no curso de coreano o nome do odeng é "eomuk" (어묵/魚묵), isto é, pasta de peixe - palavra inventada por uma comissão criada pelo governo para a "reimaculificação" da língua coreana.

Em tempo, se alguém, por falta de atenção deixa escapar algum tipo de palavra assim na TV, acaba pedindo desculpa e se corrige dizendo a palavra coreana "pura". E olha que coreano pedir desculpa é um fato digno de nota - todo esse empurra-empurra sobre o qual discorri há pouco é efetuado sem a mínima intenção de expressar o menor pedido de desculpa que seja.

É claro essas e outras diferenças são fatos que só são percebidos por estrangeiros. Assim como um brasileiro pode achar estranho isso ou aquilo por aqui, eles quando vão ao Brasil também acham estranho outras coisas... É tudo uma questão de ponto de vista. E a gente que passa um bom tempo por aqui acaba por assimilar boa parte desses costumes e nem percebe que acaba fazendo o mesmo.

Bom, vou ficando por aqui. Até a próxima. E a questão da "colonização japonesa" merece uma postagem à parte. É uma coisa de louco mesmo.

Um abraço.

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