Itens compartilhados de Juliano

segunda-feira, 2 de março de 2009

Coreanos e a língua inglesa

=Exórdio=
Depois de escrever isto aqui (ainda correndo por causa da bateria do laptop estar no osso), descobri que já havia escrito algo parecido em setembro do ano passado. Serve como complemento a este post. Clique aqui.
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O mundo hoje em dia só pensa em inglês, inglês e inglês. Todos dizem que é a língua universal, a língua internacional etc e tal.

Mas, pergunto: chega alguém lá no meio da América Latina em geral e vai falar inglês. Quem responde? Praticamente ninguém. Tem gente aí dizendo, quê isso? Magina! Claro que tem um ou outro que vai responder... É. Pode até ser. Mas aí o sujeito tem que ter sorte, já que estatisticamente o resultado é bem próximo a zero. Sei disso, por ter um dia feito uma pesquisa (pessoal) a respeito deste assunto. Fui às ruas de São Paulo próximo a um distrito que se pode chamar de rico (região da Av. Faria Lima), onde se encontram várias empresas, gente engravatada, o Shopping Iguatemi com suas vitrines escritas em inglês ("Sale", "50% off!"...). E comecei a interpelar as pessoas em inglês para ver quem me respondia. Em umas quase quatro horas que fiquei por lá só tive resposta positiva de alguns pouquíssimos gatos pingados, menos de 5 pessoas dentre centenas...

Na Coreia não é diferente. Se alguém chega por aqui falando inglês pode até ser que tenha mais sorte que em nosso Brasil varonil, mas mesmo assim, pouquíssima gente fala inglês. No entanto, todo mundo, isto é, TODO MUNDO estuda inglês. Talvez influência do exército americano que tanto fez para manter os comunistas fora da parte sul da península coreana, tornando possível o milagre econômico que se deu por aqui nos últimos 30 anos. As crianças já nascem escutando inglês no útero das mães, vão à escola onde têm aulas de inglês, vão aos hagwons (escolas particulares de reforço) e estudam mais inglês, vão a escolas especializadas só em inglês e estudam mais um pouco... Quando crescem um pouco mais, os pais os mandam ao exterior (leia-se Estados Unidos) e lá estudam anos e anos e depois que voltam, das duas uma: ou não falam inglês ainda por terem passado muito tempo com coreanos, ou voltam completamente "desadaptados" à vida coreana, sentindo-se peixes fora d'água em seu próprio país.

Tá, mas e daí? E daí que tá pra ter povo mais nacionalista e patriota que os coreanos. Mas isso não num sentido ruim como o nacionalismo nazista ou uma xenofobia gratuita. Isso se deu graças ao sentimento de sobrevivência do povo coreano durante milênios presos em uma pequena península ao lado de dois enormes impérios (China e Rússia) e mais o Japão do outro lado do mar (descontando ainda os Mongóis e outros durante a looonga história do povo coreano). Se não fosse por esse nacionalismo, no sentido de serem um povo, uma nação, os coreanos já teriam sido de há muito absorvidos pelos chineses, russos, chineses e a Coreia, como país, nunca teria existido. No entanto, isso não aconteceu. Eles foram cabeças-duras e teimosos e conseguiram trazer seu país ao ponto que chegou com muita luta e muita briga e muito patriotismo e sentimento de nação.

Agora, depois de tudo isso, eu, como estrangeiro, enxergando a sociedade coreana de um ponto de vista destacado, vejo que tudo isso que eles conseguiram está aos poucos se deteriorando e se perdendo graças à invasão econômico-cultural dos EUA. Não que isso se passe somente aqui, isso está acontecendo em muitos países ao redor do mundo, mas aqui eu sinto isso de uma forma bem mais forte. Até mesmo comparando ao Japão (tudo bem que já são oito anos desde que saí de lá), mas isso não me parecia TÃO forte como o que sinto por aqui. E o ápice dessa perda de dignidade nacional se mostra bem claramente no "desespero mortal" ao qual os coreanos se jogam para aprender o famigerado inglês.

Aqui, sem inglês, não se consegue nada na vida. Qualquer tipo de cargo público passa por uma avaliação de inglês mesmo que o sujeito trabalhe em uma pequena vilazinha no interior do país e nunca vá ver um só "estrangeiro" durante todo o resto de sua vida. Não importa se as notas da faculdade ou do mestrado tenham sido ótimas, se o candidato não tiver um exame de inglês (geralmente o TOEIC) com uma nota ótima. Em não tendo, o currículo é simplesmente jogado no lixo.

O argumento de que lançam mão é o de que ninguém fala coreano e o inglês é importante para se fazer negócios. Então se se desejar um posto em alguma boa empresa, é necessário ter um certificado com altíssimas notas em inglês. (Aí eu me pergunto: quantas pessoas ativamente precisam de usar inglês nessas empresas? É impossível que todo o contingente de empregados devam entrar em contato com compradores estrangeiros...) Isso tudo me é muito estranho e o problema é que ninguém questiona isso. Muitas vezes a pessoa é altamente capaz para desempenhar o trabalho, mas por falta de uma boa nota em inglês esta mesma pessoa é simplesmente ignorada, não podendo ao menos se defender e mostrar do que é capaz.

Isso tudo cria um mercado de exames (o qual é altamente desenvolvido neste país) e escolas preparatórias (têm cursinhos para tudo). Então, o que é que acontece? Eles vão a esses cursinhos para aprender a passar no exame e não para aprender o assunto em questão. Conheci pessoas que tinham notas altíssimas em seus certificados do TOEIC, mas que não eram capazes de se comunicar da forma mais básicas, uma vez que haviam decorado as respostas de todos os exames passados e só preencheram A, B, C, D nos testes, sem ao menos entender o porquê da resposta ser aquela.

Aqui estou enfatizando o inglês, mas, de uma forma geral, as outras coisas são resolvidas de forma semelhante. No entanto, o que me preocupa muito é o gasto de tempo e de dinheiro que os coreanos despendem com o inglês e por tal motivo negligenciam outras coisas mais básicas e de mais valor.

No caso dos coreanos que enviam seus filhos ao exterior, essas crianças crescem em um meio estranho, aprendem muito bem as outras culturas (principalmente a estadunidense) e quando voltam não se adaptam bem à realidade e à cultura coreana, não tendo aprendido sua história, sua geografia, seus modos e costumes. Isso vai completamente de encontro ao que os coreanos vieram lutando durante milênios como uma nação e agora, por causa dessa mudança brusca de foco para o individualismo, o povo coreano parece estar perdendo muito de sua cultura, de sua história, de seu futuro. Eu muitas vezes me sinto triste quando converso com meus amigos e muitos deles ou não dão valor ou não sabem a respeito da cultura ou da história de seu próprio povo. As tradições e até mesmo a própria língua estão se transformando de uma maneira muito rápida, graças ao desdém presente no sistema educacional que só dá valor aos resultados e não ao processo.

Agora chego a um ponto que nos é importante como brasileiros. Nosso país, assim como a Coreia, parece estar passando por um processo semelhante. Principalmente na área da educação. Não digo que estejamos no mesmo pé dos coreanos, mas parece que esta tendência também está mostrando sua carinha por aí também. Às vezes tenho medo do que está por vir e de que o mundo se pasteurize igualando as culturas e o modo de viver dos diferentes povos. No caso do Brasil, parece ser um pouco mais difícil também pelo fato de o nosso país ser maior e de termos uma cultura variada que ainda se mostra mais ativa. No entanto, a questão da educação é o que mais me faz pensar. A difusão do modo "cursinho" de educação, onde já não ensinam mais o aluno a pensar, e sim a resolver questões da FUVEST/UFMG e etcéteras... Na minha época (olha só... já pareço aqueles velhos ranzinzas reclamando das novas gerações) eu me preocupava em entender e aprender o que me era ensinado, pensando e analisando. Hoje se analisa qual a alternativa dá para ser eliminada. Estaremos nós também marchando em direção ao modelo de educação coreana, à memorização, à pasteurização? Não se é de admirar o fato de os resultados das olimpíadas de matemática e similares terem seus melhores resultados vindos daqui do oriente: a memorização é extremamente desenvolvida por aqui, mas o pensamento crítico e lógico, nem tanto. A desumanização do estudo é alta e os resultados são ótimos para estatísticas. No entanto, o ser humano fica devendo um monte para com a sociedade e o fortalecimento de sua própria nação. Exatamente o contrário do que os coreanos vivem pregando no melhor estilo do "faça o que eu digo, não faça o que eu faço".



PS: Por estar eu atualmente imerso na sociedade coreana, gostaria de afirmar que estas são minhas humildes impressões a respeito dos coreanos. No caso do Japão, já saí de lá há muito tempo e muitas impressões se perderam ou se fundiram com minhas novas impressões daqui. Entretanto, me parece que muito do que se aplica por aqui no quesito educção pode também ser aplicado à China e ao Japão também. O que mais me choca mesmo é a perda quase total da cultura coreana em favor à ocidentalização (leia-se americanização). Aqui cultura coreana só se vê em parques de diversão e vilas culturais que tentam recriar essa tradição que a cada dia se torna mais e mais "brega" para os próprios coreanos. É muito estranho isso porque eles sempre dizem que a Coreia é única com sua cultura única e muitos outros blá-blá-blás que quando a gente chega por aqui fica procurando mas não acha... Ai, ai... que pena...

Um comentário:

Henrique disse...

Caramba, assim fica difícil acompanhar seu blog! Você fica séculos sem postar, e quando posta despenca 10 posts de uma vez! hehe
Boa análise da cultura coreana... É lógico que muito mais poderia ser dito, mas o que mais me assusta é a falta de questionamento. Até hoje não vi nenhum rebelde coreano... rs. Os coreaninhos aqui do kisuksa da CJU engolem tudo na boa. E acho que isso se aplique também no restante de sociedade.
No Brasil, não. Lá a gente reclama de tudo, questiona tudo, mas na hora de fazer ninguém faz nada.
Na Coreia, eu tenho a impressão de que o que quer que seja que eles queiram mudar, se eles se posiciarem, eles mudam.

Abraço!

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